sexta-feira, 12 de setembro de 2014

As palavras e eu - parte 1

Alô, alô, barraqueiros!

Desta vez, uma postagem meio autobiográfico, e um tanto quanto metalinguístico: quero escrever sobre... escrever!

Ter um blog é consequência de uma paixão que trago comigo desde sempre. Digo desde sempre porque, ao que parece, quando tive idade o bastante para segurar um lápis e saber rabiscar conscientemente, eu já estava fazendo. Minha mãe conta que aprendi a escrever sozinho, reproduzindo o logotipo de uma revista de vendas que tínhamos em casa. Fiz tudo direitinho, foi quase um xerox da imagem, menos por uma coisa: esqueci um "R" bem no meio da palavra! Kkkkkk.

Um retratinho meu aos três anos de idade.
O garotinho feliz na foto ainda não conhecia o universo das palavras...
Não se pode acertar todas, né mesmo?

A partir daí, não larguei mais o lápis ou a caneta e o papel. Fosse uma folha de embalar compra ou um caderno de escola, eu estaria rabiscando. E, às primeiras histórias, somei o gosto por desenhar, outro dom que eu descobri logo cedo. Fiz muitos quadrinhos - mais tarde, tentei até fazer uma revista de super-heróis: cheguei aos quatro números exausto e sem saco, mas valeu a pena a experiência. Escrevi muita coisa: de histórias bobinhas às peças da escola, que depois deram lugar às tentativas de produzir livros, com enredos inteligentes, mais maduros e atrativos. Escrevi uma história policial que, certamente, hoje me parece meio ridícula e bastante inocente, mas me agrada muito.

Por isso, nem foi surpresa para as pessoas quando decidi cursar Jornalismo. Fui muito certo de que só escrever bonito não faz um bom jornalista e que existe muito mais do que botar a carinha na bancada do Jornal Nacional. Nesses quatro anos, continuei escrevendo - agora não mais as historinhas de ficção, mas reportagens, textos sérios, estruturados, definidos para comunicar - e comunicar bem.

Só que, ao mergulhar na rotina de universidade, o tempo ficou curtinho, curtinho e, com estágio, trabalhos, provas e outras coisas, parei de ler, parei de desenhar e parei de escrever. Antes de entrar para a faculdade, havia começado um projeto que tinha se tornado um sonho para o futuro: escrever um livro de ficção histórica, tendo como pano de fundo o Primeiro Império no Brasil.

E eu comecei... mas a faculdade não me deixou continuar, hehehehehe. Rabisquei os cantos das folhas com os desenhos dos personagens em questão, desenhei a família imperial e real quase completa, mas o texto, mesmo, esse, não passou de umas poucas páginas, que guardo com carinho. Tomei o cuidado de passar para o computador o que já havia escrito, na esperança de que, um dia, o sonho se realize.

Com esse sentimento no coração, quero abrir os arquivos e compartilhar um trechinho de "O Conselheiro da Imperatriz". Espero que vocês gostem!

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Palácio de São Cristóvão (Quinta da Boa Vista), por Jean-Baptiste Debret, 1817
Não era comum que senhoras distintas recebessem homens em seus aposentos estando sozinhas. Muito menos se fosse uma dama da nobreza. O que dirá uma princesa, ou mais ainda, uma imperatriz. Se tal imperatriz fosse a exilada soberana do Brasil, certamente o caso seria escândalo. De certo, coisa alguma, desde a mais trivial, que fizesse menção às ações de Dona Leopoldina, escapava às línguas dos maldizentes do paço. Ainda que quisesse eu estar com ela livremente e por longos períodos de tempo, isto não me era possível. Já havia vários dias que a senhora não saía de seus aposentos, dado a gravidade de seu estado de saúde.

Ninguém dava a causa certa de sua moléstia, muito menos os doutores e boticários chamados ao palácio. Continuaram tratando a enferma como se ainda padecesse apenas de um esgotamento dos nervos ou mal semelhante. Depois de quatorze dias, tive a felicidade de, enquanto procurava saber notícias, receber o comunicado de que ela já estava em condições de receber visitas. Não foi preciso escutar mais coisa alguma. Parti imediatamente às suas dependências e me postei frente à sua antecâmara. Sua camarista entrou e, após breve momento de espera, anunciou minha entrada, prevenindo-me que não me demorasse demasiadamente, em prejuízo da imperatriz doente.

Dom Pedro I e a Imperatriz Leopoldina em visita à Roda dos Expostos,
por Simplício de Sá, 1826 (detalhe).
Achei-a recostada sobre algumas almofadas, apoiada à cabeceira. Havia emagrecido sensivelmente, depois de ter ganhado tanto peso na última gravidez. O rosto estava descorado. Até mesmo a vermelhidão provocada pela exposição descuidada ao sol do Rio de Janeiro parecia ter se suavizado. Os cabelos estavam bem presos – certamente obra da camarista, já que Dona Leopoldina não parecia ter ainda muita força para se ocupar de tal tarefa. Ela estendeu a mão e me saudou amavelmente, com a voz enfraquecida.

_ Oh, dom Leopoldo! Que feliz ventura é tê-lo por aqui! Queira perdoar-me por permiti-lo ver-me em tal estado...

Beijando-lhe a mão, respeitosamente, tratei de consolá-la:

_ Não te aflijas, minha augusta senhora! Para mim é honra ímpar ser admitido à vossa presença, sem que ainda tenhas recobrado a saúde totalmente, o que, queira Deus, Nosso Senhor, aconteça brevemente!

À minha invocação, ela olhou brevemente para o alto, fechando os olhos em seguida, num misto de devoção e cansaço. Certamente, a fé era um de seus motores, seu manancial de força para enfrentar a dura batalha diária que lhe cabia.

_ Diga-me, dom Leopoldo, - ela abriu os olhos e fitou-me firmemente – sentes falta de vossos pais e dos parentes que deixaste em Espanha?

_ Ora, como não, minha senhora! – exclamei em surpresa com a questão - Em especial agora, quando se completam anos que não os vejo! Sinto muitíssima!

Ela olhou-me, compreensiva, o rosto pendido levemente para a direita. Ela aprumou-se, com certo esforço, na cama, e pediu:

_ Por obséquio, queira ir até aquele baú, e retirar um volume encadernado em vermelho, com a as armas de Áustria e Portugal, e trazê-lo a mim.

Apressei-me em cumprir a ordem. Abri o dito baú, e procurei não deter-me nos pertences ali contidos. De certo eram coisas dela, de outros momentos, algumas das poucas que lhe restaram de sua vida anterior, antes do furacão chamado Pedro. Achei, ao fundo, o desejado livro. Levei-o a dona Leopoldina, que o recebeu com os olhos marejados. Abriu-o delicadamente, e passando algumas folhas, trouxe à vista a imagem de um distinto senhor, alvo, de cabelos mui brancos e ampla fronte, com o peito cravado de medalhas e honrarias: o soberano da Áustria, Imperador Francisco Primeiro...

Francisco I, imperador da Áustria, por Johann Baptist Lampi, fim do século XIX
_ Papai... Como sinto sua falta... – ela olhava o retrato, lutando contra as lágrimas. Por um momento, volveu-me o olhar, e depois passou os olhos para outro ponto, distante, longe daquele escuro aposento. _Sabes, dom Leopoldo, há muito tempo não me apertava tanto o peito a saudade de meu adorado pai quanto nesses últimos dias, de minha enfermidade. Há dois dias, peguei-me, em sonho, recordando de um acontecimento mui trivial, é verdade, ocorrido quando estávamos em Laxenburg, nos dias de Napoleão. Era eu ainda muito criança e, apesar de saber da situação em que meu país e meu povo se encontrava, alentava a esperança de que, breve, tudo aquilo estaria acabado, e o “diabo” aniquilado... o diabo – ela sorriu – vovó costumava referir-se assim ao Imperador dos franceses, meu falecido cunhado. Em um dos raros dias em que papai estava conosco, e não em batalha, o céu parecia prestes a desabar sobre nós, tamanha a fúria da chuva e dos ventos. A boa Anony, nossa ama, havia ordenado que ficássemos quietas, Clementine e eu, em nossos aposentos, mas, naquela noite, eu não sentia sono, apesar do pavor dos trovões. Não sabia como minhas irmãs e irmãos puderam dormir, mas eu permanecia acordada. Levantei-me, então, e saí do quarto e comecei a percorrer, vagarosamente, os corredores do palácio. Instintivamente, sabia exatamente para onde me dirigia, e lá cheguei ao cabo de uns poucos minutos. Abri a porta, tão silenciosamente quanto me era possível, e encontrei papai, sentado frente à lareira, com o semblante mais triste e pesaroso que jamais o havia visto. Aproximei-me, cuidadosamente, e ele me viu. Em princípio, pensava eu que ele fosse censurar-me por não ter obedecido às ordens de Anony e ainda estar de pé. Certamente iria castigar-me. Prostrei-me logo, arrependida, mas ele tocou-me e chamou:

O imperador Francisco I e sua família, em 1810. Leopoldina abraça o pai, na gravura.
_ Leopoldine, levante-se. Chegue mais perto.

Eu obedeci, relutante, e aproximei-me. Papai, sentou-me no colo, algo que talvez só houvesse feito quando eu não dispunha das luzes da razão, e era ainda mais incomum, dado o fato de ser eu já mais velha, e estar um pouco acima do peso. Recostei minha cabeça na dele, e ficamos por um longo instante sem dizer palavra. Como os trovões aumentassem, e eu tremesse de terror, ele desceu-me, pegou-me nos ombros e, olhando seriamente, me disse:

_ Tens medo dos trovões, filha minha?

Lembro-me de ter apenas acenado com a cabeça em resposta, olhando fixamente em seus olhos. Papai prosseguiu, em tom grave, quiçá profético:

_ Pois não tenha. Não te acovardes diante do que não pode fazer-vos mal. Tem em mente de que, dias virão, em que terás de enfrentar provações muito mais terríveis do que esta e, aí sim, poderás até sentir pavor, mas, naquele dia, terás de apresentar-te de cabeça erguida e de peito aberto, para cumprir teu destino, para vencer ou perecer.

Dona Leopoldina parou o relato e, lentamente, voltou os olhos para mim. Com um sorriso leve, acompanhado de um olhar triste, abatido, segredou-me:

_ É deveras curioso, dom Leopoldo, perceber que, o que àquela época não compreendi – Deus misericordioso, não o poderia! – se me apresenta hoje tão claro e direito! Oh, meu pai! Meu adorado papai... tinhas razão! Quanto me seriam exigidas as fibras e a vontade moral para suportar os suplícios que me têm sido impostos...

Leopoldina, arquiduquesa da Áustria, por Josef Kreutzinger, 1817
Lágrimas lhe caíam dos olhos. As mãos, pousadas sobre o retrato do pai, acariciavam docemente a face gravada em refinados traços negros, daquele a quem nunca mais veria. Impossibilitado de fazer qualquer coisa para deter aquele amargo choro, limitei-me a segurar-lhe a mão e dizer, em voz entrecortada:

_ Quem ama deseja preservar seu amado de seus maiores temores... Certamente, Vosso Augusto pai não ficaria desapontado ao ver a intrépida mulher que sua filha se tornou...

Saí apressadamente. Não me seria possível permanecer ali mais tempo sem ser tomado pela angústia, e chorar com ela as minhas próprias tristezas.

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E aí, o que acharam?
Aguardo o retorno de vocês!

Abração, e até!

Um comentário:

  1. Leo, gosto demais desse tipo de ficção. Quem sabe assim as pessoas despertam a curiosidade de saber mais sobre os personagens históricos. Quanto aos desenhos, vc arrebenta né. Bjo....

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