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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Divergências Conjugais - nº 2

Alô, alô, barraqueiros!

Ó nóis aqui de novo, com nosso post de sexta!

Tive alguns retornos muito importantes quando postei meu primeiro texto pra teatro, o Divergências Conjugais - nº 1 (se vocês ainda não viram, que é que ainda estão esperando? corram lá e confiram!), uma experiência realmente nova, especial, muito bacana pra mim! Os que me conhecem pessoalmente, já sabem que sempre gostei de escrever, e vocês que me leem também já descobriram, né nom?

Então, vamos ao que interessa: tô trazendo hoje o segundo texto da série!
Sim, da série!
Me propus a escrever cinco cenas curtas sob esse nome e com esse foco: mostrar situações triviais, bestas, coisas bem simples e pequenas, que podem acontecer na rotina de qualquer casal, e que provocam discussões - as divergências conjugais do título! Vocês vão perceber que os casais mudam, conforme a história, o que foi intencional. Penso que trazer casais de características diferentes e em situações distintas torna a proposta muito mais interessante e abre as possibilidades de criar!

Torço pra que vocês gostem e estou aberto a sugestões para temas!
Fiquem com o texto!


(Homem sentado no sofá, bem à vontade, como se estivesse vendo televisão. A mulher chega, ajeitando uma bolsa, apressada pra sair. Os dois são adultos jovens, na faixa dos 30 anos. Estão casados há, talvez, quase dez anos. Demonstram intimidade. A ação se passa em uma sala de estar, mobiliada com um sofá e uma mesa como que de jantar ou um console, armário.)

SHEILA (mexendo na bolsa): Amor, busca o Felipinho no inglês, por favor. Estou saindo em cima do horário que marquei no salão e não vai dar tempo, tá?
EDUARDO: Xiii, amor, não vai dar. Hoje é dia do buraco com a galera do clube.
SHEILA: E um jogo de buraco é mais importante do que buscar seu filho, Eduardo?
EDUARDO (se vira para responder): Claro que não, né, meu amor? Mas você sabe que toda sexta-feira eu tenho o joguinho com o pessoal. (volta para a TV – a plateia)
SHEILA (paciente): Mas, amor, você só vai se atrasar um pouquinho! Quando muito, faltar uma vez não vai ser o fim do mundo!
EDUARDO: Nada disso, benzinho! Combinado é combinado!
SHEILA (impaciente): Mas, Eduardo! Eu tenho salão!
EDUARDO: Não dá pra desmarcar?
SHEILA (protesta): Eu tenho que fazer o cabelo, Eduardo!
EDUARDO: Sua chapinha tá quebrada?
SHEILA (impaciente): E o que é que tem a chapinha, Eduardo? Eu vou fazer escova!
EDUARDO: Mas não é tudo a mesma coisa?
SHEILA (segue o tom): Claro que não, criatura! E mesmo se fosse, eu ainda tenho manicure!
EDUARDO (se volta para a mulher): Mas... você não poderia fazer isso aqui? Já te vi pintando as unhas em casa outras vezes...
SHEILA: Isso toma tempo, Eduardo! Tempo que AGORA eu não tenho!
EDUARDO: Por que você não desmarca o salão?
SHEILA (brava): E por que VOCÊ não desmarca o buraco?
EDUARDO: Porque já é um combinado antigo, amor!
SHEILA (entre brava e descrente): E eu é que tenho que abrir mão do meu horário no salão?
EDUARDO (dá de ombros): Busca o Felipinho depois...
SHEILA: E o menino vai ficar esperando duas horas, Eduardo? Francamente!
EDUARDO: Então, liga e manda ele vir de ônibus...
SHEILA (incrédula): E deixar meu filho vir sozinho? Ele ainda é só uma criança, Eduardo!
EDUARDO (olhando para a TV): Então, aproveita que você vai de carro, passa na escola e leva o Felipinho com você!
SHEILA (para si, em médio tom): Ô sujeito egoísta!
EDUARDO: Eu?
SHEILA (abertamente): Dissimulado!
EDUARDO: Nada a ver, Sheila!
(A partir daqui, o ritmo do diálogo se intensifica: um fala e o outro emenda a resposta imediatamente)
SHEILA: E como não? Pra tudo você tem uma desculpa! (irônica) Sua semana é toda ocupada! Às quartas, tem sauna...
EDUARDO (tentando justificar): ... Pôxa, amor, é com a galera do colégio...
SHEILA (inflexível): ... Duas quintas por mês, jogo de boliche...
EDUARDO: ... Convite do chefe, não dá pra não ir...
SHEILA (desafiando): E os sábados, hein? Todo sábado é o maldito chope com aquele bando de pinguços!
EDUARDO: São os caras da bolsa, amor... Vai que numa dessas não descolo um palpite bom de investimento?
SHEILA: E não falha um domingo sem seu amado joguinho de futebol! Na segunda-feira, pelo menos, você chega tarde porque te seguram na empresa, mas até na sexta, Eduardo? (pedindo, sem esperanças) Não pode abrir mão nem da sexta, Eduardo?
EDUARDO: Desculpe, amor, mas você sabe que eu sou um homem de palavra, e o buraco na sexta é sagrado...
A mulher pega a chave do carro de uma mesa, num gesto brusco, urra de raiva e sai de cena. Ouve-se o barulho forte de batida de porta, ao que o marido, por instinto, reage.
EDUARDO (assustado): Êita! É hoje que eu durmo no sereno! (sai correndo de cena)
Blackout.
A cena volta com o casal ao redor de uma mesa de jantar, só os dois, bem próximos. Os dois estão com roupas de sair, como se estivessem num encontro fora de casa. O marido serve uma bebida à esposa, que reage com uns sorrisinhos muito contentes.
EDUARDO (romântico): Gostou da surpresinha, meu amor?
SHEILA: Uhum.
EDUARDO: Viu que eu preparei tudo o que você gosta? Até o escalopinho ao molho madeira, que é o seu favorito!
SHEILA: Pois é, amor!
EDUARDO: E a mousse de morango? Gostou?
SHEILA: Estava ótimo, Dudu! Tudo uma beleza!
EDUARDO (sedutor): Então, Sheila, já que está tudo tão bom, que tal a gente ir lá pro quarto pra... não sei... fecharmos a noite com chave de ouro?
SHEILA (direta/enigmática): Hoje é terça, meu bem!
EDUARDO (confuso): E o que é que tem, amorzinho?
SHEILA (ironia/vingativa): Terça-feira é dia de dor de cabeça. E como eu sou uma mulher de palavra, a dor de cabeça da terça é sagrada.

FIM

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E aí, gostaram?
Comentem, mandem sugestões, me enviem um retorno! A opinião e a força dos leitores é que nos movem a continuar!

Abração, e até!

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Socorro! Tô virando dramaturgo!

Alô, alô, barraqueiros! Tô de volta!

Se a pessoa tem um blog, é porque gosta de escrever e tem algo pra mostrar, pra compartilhar com os outros. Né mesmo?

Como já disse em outras postagens, eu escrevo desde pequeno. Mas há outra coisa que, certamente, anda comigo desde sempre: o sonho de ser ator.

Depois de mais de 20 anos deixando essa vontade escondida na gaveta, saí do interior de Minas para enfrentar a imensidão da capital carioca em busca disso.

Na primeira vez em que pisei em um palco, minha gente!, fiquei besta! Jamais iria imaginar que uma coisa tão simples pudesse me dar tanto prazer. Foi quase um "daqui não saio, daqui ninguém me tira!" Hahahahaha!

O caso é que, conhecendo o teatro e me descobrindo como ator, percebi que aquela vontadezinha de escrever não tinha ido embora também, mesmo que já não venha se esparramando, invadindo a cabeça sem pedir licença.

Quem me conhece sabe que eu tenho mais facilidade em escrever narrativas, em prosa. A poesia e eu não somos lá muito chegados, se é que vocês me entendem, rsrsrs. Como já imaginava que não seria mais do que um "escritor de histórias" (quando muito um poeta bissexto), fui surpreendido quando me apareceu o Leon dramaturgo! É mole? 

O bichim tá tentando ocupar um espaço por aqui, querendo mostrar serviço, mas eu ainda tô meio ressabiado - nem ator eu sou direito e já quero escrever peça? Tô doido! Então, ele resolveu escrever umas coisas curtinhas pra ver se me agrada. E é isso aí: uma coisa (o ator) puxou a outra (o dramaturgo) e o resultado, você confere aqui e agora!



(Um casal entra em cena, agitadamente, falando, dando a ideia de que uma discussão já vinha acontecendo. Os dois já aparentam estar na casa dos cinquenta anos de idade e ter, mais ou menos, uns 25 anos de casados e, por isso, têm muita intimidade entre si. Ele é mais despojado, de bermuda, camisa leve e tênis para sair. Ela, em roupas de ficar em casa, cabelo tingido, agitada. A ação se passa no quarto do casal. Ela vai em direção ao guarda-roupa, que, necessariamente, não precisa existir. Sugiro que a ação seja focada no gestual e na interpretação dos atores.)
ARMANDO (tom de desafio): Ah, mas você não vai comprar outro mesmo!
SÔNIA (irritada, já falando um pouco alto): Não se mete nisso, Armando! Não vou sair pra passar vergonha. Porque você não se intromete só nas coisas que te dizem respeito?
ARMANDO (convicto): Mas isso me diz respeito e muito!
SÔNIA (com um leve sorriso sarcástico): Ah, é?
ARMANDO: Ééééé, é sim! Não vou correr o risco de você invadir a última parte do guarda-roupa que sobrou pra eu guardar as minhas coisas.
SÔNIA (deboche): Tá com miséria, agora, Armando? (voltando ao tom seco) Você diz isso porque é homem, e roupa de homem é tudo igual! Não sabe como mulher sofre pra ficar bonita...
ARMANDO: E por causa disso, precisa entupir o armário? Se pelo menos fosse mais organizada...
SÔNIA (ameaçando avançar para discutir): Escuta aqui, Armando!...
ARMANDO (atalhando): Então, como é? Já escolheu a roupa ou não? Tem que decidir logo pra mandar o mais rápido pra lavar e passar, porque a Cleide tá de folga, se você não lembra. Além do mais, o jantar da tia Clotilde é amanhã e a gente já prometeu que iria.
SÔNIA (meio surpresa): Eu, hein? E qual a razão desse interesse todo pelo jantar da tia Clotilde? Você nunca foi chegado à velha!
ARMANDO: Não sou chegado à velha, mas sou chegado à comida que servem nos banquetes da velha. Lá sim eu posso comer de graça, o quanto eu quiser e ainda é tudo coisa boa. Diferente dos troços que você diz que cozinha... (faz uma leve expressão de desgosto)
SÔNIA (irônica): Pra quem passa tão mal com a minha comida, você está até bem gordo, né não, Armando?
ARMANDO: Queria que eu morresse de inanição, Sônia? Vou ficar pagando almoço e janta fora todo dia não, mulher. Com a sua comida, uso a lógica do purgante: o gosto é ruim, mas pelo menos, faz efeito.
SÔNIA (furiosa): Eu vou voar em você, Armando!
ARMANDO: Deixa pra voar depois de escolher o vestido. Anda logo!
SÔNIA: Se ao menos você servisse pra alguma coisa! Se ao menos você me ajudasse em vez de ficar me atormentando!
ARMANDO: Ah, é? E eu não faço nada nessa casa? Quem é que troca lâmpada, conserta chuveiro, reforma os móveis e ainda cuida do carro...? (enumerando)
SÔNIA (interrompe, incrédula): Meu Deus! E você acha muito isso, Armando? Pai eterno, em que buraco eu fui me enfiar.
ARMANDO: O buraco parecia muito cômodo quando o vô Rafael tava pra morrer e o boato na família era de que ele ia deixar a maior parte da herança pra mim, né?
SÔNIA (aponta o dedo e se aproxima, ameaçadora): Nem se atreva a insinuar que eu me casei com você por interesse! (suaviza) Eu casei... porque te amava!
ARMANDO: Mas vivia dizendo que, “se casar comigo era como um investimento na bolsa”.
SÔNIA: Mas acabei aplicando na poupança, veio Fernando Collor e “créu”. Adiantou? (se afasta)
ARMANDO: Pra quem passa tão mal, casada comigo, você está até bem...
SÔNIA (interrompe bruscamente): Não ouse terminar essa frase, Armando! Te jogo esse sapato no meio da cara.
ARMANDO: Aproveita e joga logo o vestido que você vai usar no jantar da tia Clotilde, Sônia. Anda logo.
SÔNIA (com impaciência): Para de me apressar, Armando! Eu não tenho NADA, NADA pra usar, nesse guarda-roupa!
ARMANDO: Como não? E o vestido verde que te dei em janeiro?
SÔNIA (tom de informação óbvia): Presente de aniversário de casamento, né, Armando? Usei quando a gente saiu!
ARMANDO: E aquele longo prateado, meio brilhante?
SÔNIA: Usei no casamento da Susana!
(Armando, pensativo, passeia pelo quarto e se volta para a esposa, sugerindo)
ARMANDO: E um amarelo, que eu comprei pra você naquela viagem...?
SÔNIA: Nem sei onde tá! (dá de ombros) Tem, pelo menos, uns dez anos que não uso aquilo!
ARMANDO (volta-se, meio tímido): E aquele azul escuro, de mangas compridas. É bonito...
SÔNIA (abismada): Tá doido, Armando? Esse eu usei justo no casamento da Helena, filha da tia Clotilde!
ARMANDO: E o que é que tem?
SÔNIA (impaciente): Como “o que é que tem”? Usar a roupa do casamento da filha no jantar da mãe? Nem morta!
ARMANDO: E quem vai lembrar disso, Sônia?
SÔNIA: Eu estou nas fotos com ele!
ARMANDO: E quem vê um monte de foto velha hoje em dia?
SÔNIA: Eu! Outro dia mesmo, estava vendo umas fotos nossas, de quando a gente casou. Ah, Armando, você era tão bonito... pena que tá ficando careca.
ARMANDO: E você, ficando gor...
SÔNIA (interrompe): Armando, não me provoque!
(Armando vem para o centro do palco, rapidamente, se aproximando de onde Sônia está)
ARMANDO (sem paciência): Então, não me enche, Sônia! Escolhe logo a droga desse vestido, que eu já perdi uma hora nesse bate boca idiota com você!
SÔNIA: Mas você é delicado igual a um coice de mula, Armando! Não acredito! Não acredito, mesmo! Será que você não pode, uma vez, uma vez que seja, mostrar um mínimo de cordialidade e compreensão comigo, Armando? Será que vou ter que olhar pra você toda vez e pensar “Meu Deus, que foi que eu vi de bom naquele traste”?
ARMANDO (irônico): Ah, se seu problema é ficar com a culpa de não saber o que viu em mim pra se casar comigo, se preocupe não. Eu também já pensei isso, mas sei exatamente o que foi que eu vi de bom em você!
SÔNIA (se aproxima de Armando, curiosa): E... o que foi?
ARMANDO (direto): A bunda!
(Armando sai, deixando Sônia de boca aberta, no centro de palco)

FIM

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E aí, o que acharam? 

Se vierem o 2, o 3 e outros, vocês querem?

Posso arriscar?

Comentem aí! Quero o retorno de vocês!

Abração, e até!

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

As palavras e eu - parte 2

Alô, alô, barraqueiros!

Estou de volta, no post da semana, e quero continuar compartilhando com vocês um pouquinho da minha paixão por escrever.

A era da Internet trouxe muitas tendências. Na rede, as pessoas têm espaço publicar o que quiserem e, da mesma forma como produzem conteúdo, também acabam consumindo. Comunidades e fóruns se mostraram um lugar perfeito pra essa troca de opiniões e material de todos os tipos, incluindo histórias - entre elas, as fanfics (apelidinho carinhoso para fan fiction, nada mais do que histórias criadas por fãs de séries, livros, filmes, outras histórias e tudo o mais que você imaginar).

Também acabei entrando nessa onda e me aventurei a escrever alguma coisinha. Como fã de A Feiticeira (não sei se vocês perceberam, rsrs), escrevi quatro histórias como se fossem episódios da série, mas acabei criando outras coisas não tão específicas, participando de competições e desafios de fanfics pela Internet afora, em sites e fóruns que talvez nem existam mais.

Revendo esses textos, sinto como se já tivessem passado muitos anos. Mudou o estilo, talvez a escolha das palavras... vejo nessas histórias certa inocência de alguém se aventurando em um namoro com a escrita olha aí, eu falando como se já fosse um Sidney Sheldon, mas que começava a pensar nessa relação como algo mais sério, o que acabou virando, mesmo: não é à toa que me tornei jornalista!

Motivado por essas lembranças todas, quero trazer pra vocês hoje um dos frutos de minhas antigas visitas ao Universo das Palavras. Deixo para vocês: London's Night

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Londres, 1930

A música no ar era doce, suave e envolvente, como a brisa leve que abraçava Londres naquela noite. Jovens casais aproveitavam o frescor e a tranquilidade para passearem juntos, abraçados, pelas calçadas e pontes da cidade, como que imersos na certeza de que somente o amor, o momento presente, bastava. Não haveria razão para se ocupar com mais nada.

Ah, como ele desejava estar assim com o objeto de seu amor, de mãos dadas, sob o brilho prateado da lua cheia, cúmplice dos apaixonados naquela noite londrina. Era tudo o que ele mais queria, mas não lhe era permitido.

O homem parou em frente ao luxuoso prédio do Babylon Coffee, o mais concorrido de toda a Londres, frequentado apenas pela alta sociedade local. Belas mulheres, em seus faustosos vestidos de festa desciam de carros igualmente caros, conduzidas pelas mãos dos choferes, ou, muitas vezes, dos distintos cavalheiros com quem passariam horas agradáveis conversando, bebendo e assistindo aos famosos números artísticos da sedutora Julie Joy, a cantora do lugar. Não havia dúvidas: era ali que Lady May Carlton estaria. Viver cercada de riqueza, luxúria e poder era sua vida, seu destino e sua perdição.

Cena do filme "Dinner at Eight", com Jean Harlow - 1933
O som do piano invadiu os ouvidos de Edgard e, logo, todos os sentidos estavam plenos daquela música lenta, envolvente, que o fazia desejar, mais do que nunca, estar com May, fazê-la compreender que nada valia mais do que o amor que existia entre os dois. Nem que, para isso, fosse preciso fazer em pedaços a harmonia orgulhosa e soberba daquela gente.

Edgard Hastings deixou o casaco negro com um carregador e adentrou o salão. As luzes estavam apagadas. As mesas, repletas. Apenas um facho de luz, forte, intenso, era possível divisar: ele incidia diretamente para a cortina rubra que vedava o palco.

Não tardou, porém, para que ela se abrisse. Sob discretas, mas constantes palmas, a estonteante moça elevou seu rosto e libertou a voz. Novos acordes saltaram do piano e encheram a sala. Julie Joy estava no palco. O amor estava no ar.

Deanna Durbin, cantora e atriz, 1940
Como num código secreto, instintivo, os casais se levantaram para dançar e Edgard calava dentro de si um desejo de gritar “Hey, preguem-se a seus lugares! Vocês estão me atrapalhando a encontrá-la! Deixem-me vê-la!”, mas não poderia fazê-lo, se quisesse ter uma chance, mesmo que mínima, de levar até o fim o plano que o trouxera àquele café.

Como num sonho, Julie Joy cerrou por um instante os brilhantes olhos verdes e deixou a delicada e alva face inclinar-se levemente, como se fosse adormecer. O jovem não pode desviar-se daquele gesto, pois, foi seguindo aquele doce rosto que ele divisou May Carlton, sentada, como uma imperatriz, à melhor mesa da casa... sozinha!

Veronica Lake, atriz, 1940
A voz melodiosa da cantora entoou mais dois versos e o tempo parou. Edgard sentiu o vento frio invadir o salão e notou que a resistente chama da grande lareira parecia atiçar-se ainda mais, ao invés de extinguir-se. Ele cruzou o salão, e, enquanto passava, era seguido pelos olhos curiosos de damas e cavalheiros. O homem continuou andando, com os olhos fixos nela, que, incrivelmente, era a única pessoa em todo o salão que parecia não tê-lo notado.

Sua mão, morena e firme, estendeu-se, delicadamente, num convite:

_ Lady Carlton, me concederia o inestimável prazer desta dança? – a voz deslizou suavemente, mas firme, sem hesitação, num pedido gentil e transbordante de amor.

A jovem ergueu a face branca, quase marfínica, de traços tão imponentes, e ao mesmo tempo, tão frágeis, e lhe dirigiu os olhos cinzentos numa expressão que mesclava o assombro e uma fingida indiferença.

_ Você... – limitou-se a dizer, como que também petrificada.

Os dois olhares se cruzaram uma vez mais, numa batalha intensa, confusa e turbulenta, travada, ora no íntimo dos corações, ora nas faces, sentida, acompanhada, assistida silenciosamente por todos os casais ali presentes.

_ Será que outra vez serei obrigado a esperá-la, May? Não serão suficientes os dez anos passados desde a última vez em que nos vimos? Dez anos exilado, obrigado a viver longe de você, lutando para não enlouquecer cada vez que a sua imagem me vinha à cabeça, em nome do que você dizia ser “o melhor para nós”? Não. Desta vez, eu não ficarei esperando, não serei obrigado a deixar a pessoa a quem mais amo, por causa do que pensam os outros. Eu estou aqui, Lady May Carlton, e estou por você. Eu enfrentei tudo e todos por sua causa. E por isso me encontro aqui, com minha mão estendida. Você realmente me deixará cruzar aquela porta outra vez?

Os olhos dela se estreitaram, furiosos, inflamados, parecendo querer devorar o homem a sua frente, fazê-lo pagar por expô-la de tal forma, diante dos mais influentes membros da sociedade londrina, de seu meio, onde Lady Carlton era quase uma rainha. Ela se levantou, quase disposta a destruí-lo, mas, ao olhá-lo nos olhos, soube que não poderia fazê-lo.

Edgard Hastings continuava com a mão estendida e moça não precisou olhar outra vez para aquela mão e para os verdes olhos do moreno parado à sua frente. Era agora ou nunca. Era aquela dança. Era o momento deles. Julie Joy começou a cantar novamente, o som do piano preencheu outra vez a sala, os casais voltaram ao centro do salão e, no meio da classe mais rica e tradicional de toda a Londres, o operário e a filha de nobres dançavam juntos, de olhos fechados. Juntos, para nunca mais se separarem outra vez.

Foto publicitária, provavelmente do meio cinematográfico, anos 40-50
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O que acharam? Devo continuar tentando? Comentem aí!
Espero que tenham gostado e que continuem comigo em minhas próximas viagens...

Abração, e até!

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

As palavras e eu - parte 1

Alô, alô, barraqueiros!

Desta vez, uma postagem meio autobiográfico, e um tanto quanto metalinguístico: quero escrever sobre... escrever!

Ter um blog é consequência de uma paixão que trago comigo desde sempre. Digo desde sempre porque, ao que parece, quando tive idade o bastante para segurar um lápis e saber rabiscar conscientemente, eu já estava fazendo. Minha mãe conta que aprendi a escrever sozinho, reproduzindo o logotipo de uma revista de vendas que tínhamos em casa. Fiz tudo direitinho, foi quase um xerox da imagem, menos por uma coisa: esqueci um "R" bem no meio da palavra! Kkkkkk.

Um retratinho meu aos três anos de idade.
O garotinho feliz na foto ainda não conhecia o universo das palavras...
Não se pode acertar todas, né mesmo?

A partir daí, não larguei mais o lápis ou a caneta e o papel. Fosse uma folha de embalar compra ou um caderno de escola, eu estaria rabiscando. E, às primeiras histórias, somei o gosto por desenhar, outro dom que eu descobri logo cedo. Fiz muitos quadrinhos - mais tarde, tentei até fazer uma revista de super-heróis: cheguei aos quatro números exausto e sem saco, mas valeu a pena a experiência. Escrevi muita coisa: de histórias bobinhas às peças da escola, que depois deram lugar às tentativas de produzir livros, com enredos inteligentes, mais maduros e atrativos. Escrevi uma história policial que, certamente, hoje me parece meio ridícula e bastante inocente, mas me agrada muito.

Por isso, nem foi surpresa para as pessoas quando decidi cursar Jornalismo. Fui muito certo de que só escrever bonito não faz um bom jornalista e que existe muito mais do que botar a carinha na bancada do Jornal Nacional. Nesses quatro anos, continuei escrevendo - agora não mais as historinhas de ficção, mas reportagens, textos sérios, estruturados, definidos para comunicar - e comunicar bem.

Só que, ao mergulhar na rotina de universidade, o tempo ficou curtinho, curtinho e, com estágio, trabalhos, provas e outras coisas, parei de ler, parei de desenhar e parei de escrever. Antes de entrar para a faculdade, havia começado um projeto que tinha se tornado um sonho para o futuro: escrever um livro de ficção histórica, tendo como pano de fundo o Primeiro Império no Brasil.

E eu comecei... mas a faculdade não me deixou continuar, hehehehehe. Rabisquei os cantos das folhas com os desenhos dos personagens em questão, desenhei a família imperial e real quase completa, mas o texto, mesmo, esse, não passou de umas poucas páginas, que guardo com carinho. Tomei o cuidado de passar para o computador o que já havia escrito, na esperança de que, um dia, o sonho se realize.

Com esse sentimento no coração, quero abrir os arquivos e compartilhar um trechinho de "O Conselheiro da Imperatriz". Espero que vocês gostem!

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Palácio de São Cristóvão (Quinta da Boa Vista), por Jean-Baptiste Debret, 1817
Não era comum que senhoras distintas recebessem homens em seus aposentos estando sozinhas. Muito menos se fosse uma dama da nobreza. O que dirá uma princesa, ou mais ainda, uma imperatriz. Se tal imperatriz fosse a exilada soberana do Brasil, certamente o caso seria escândalo. De certo, coisa alguma, desde a mais trivial, que fizesse menção às ações de Dona Leopoldina, escapava às línguas dos maldizentes do paço. Ainda que quisesse eu estar com ela livremente e por longos períodos de tempo, isto não me era possível. Já havia vários dias que a senhora não saía de seus aposentos, dado a gravidade de seu estado de saúde.

Ninguém dava a causa certa de sua moléstia, muito menos os doutores e boticários chamados ao palácio. Continuaram tratando a enferma como se ainda padecesse apenas de um esgotamento dos nervos ou mal semelhante. Depois de quatorze dias, tive a felicidade de, enquanto procurava saber notícias, receber o comunicado de que ela já estava em condições de receber visitas. Não foi preciso escutar mais coisa alguma. Parti imediatamente às suas dependências e me postei frente à sua antecâmara. Sua camarista entrou e, após breve momento de espera, anunciou minha entrada, prevenindo-me que não me demorasse demasiadamente, em prejuízo da imperatriz doente.

Dom Pedro I e a Imperatriz Leopoldina em visita à Roda dos Expostos,
por Simplício de Sá, 1826 (detalhe).
Achei-a recostada sobre algumas almofadas, apoiada à cabeceira. Havia emagrecido sensivelmente, depois de ter ganhado tanto peso na última gravidez. O rosto estava descorado. Até mesmo a vermelhidão provocada pela exposição descuidada ao sol do Rio de Janeiro parecia ter se suavizado. Os cabelos estavam bem presos – certamente obra da camarista, já que Dona Leopoldina não parecia ter ainda muita força para se ocupar de tal tarefa. Ela estendeu a mão e me saudou amavelmente, com a voz enfraquecida.

_ Oh, dom Leopoldo! Que feliz ventura é tê-lo por aqui! Queira perdoar-me por permiti-lo ver-me em tal estado...

Beijando-lhe a mão, respeitosamente, tratei de consolá-la:

_ Não te aflijas, minha augusta senhora! Para mim é honra ímpar ser admitido à vossa presença, sem que ainda tenhas recobrado a saúde totalmente, o que, queira Deus, Nosso Senhor, aconteça brevemente!

À minha invocação, ela olhou brevemente para o alto, fechando os olhos em seguida, num misto de devoção e cansaço. Certamente, a fé era um de seus motores, seu manancial de força para enfrentar a dura batalha diária que lhe cabia.

_ Diga-me, dom Leopoldo, - ela abriu os olhos e fitou-me firmemente – sentes falta de vossos pais e dos parentes que deixaste em Espanha?

_ Ora, como não, minha senhora! – exclamei em surpresa com a questão - Em especial agora, quando se completam anos que não os vejo! Sinto muitíssima!

Ela olhou-me, compreensiva, o rosto pendido levemente para a direita. Ela aprumou-se, com certo esforço, na cama, e pediu:

_ Por obséquio, queira ir até aquele baú, e retirar um volume encadernado em vermelho, com a as armas de Áustria e Portugal, e trazê-lo a mim.

Apressei-me em cumprir a ordem. Abri o dito baú, e procurei não deter-me nos pertences ali contidos. De certo eram coisas dela, de outros momentos, algumas das poucas que lhe restaram de sua vida anterior, antes do furacão chamado Pedro. Achei, ao fundo, o desejado livro. Levei-o a dona Leopoldina, que o recebeu com os olhos marejados. Abriu-o delicadamente, e passando algumas folhas, trouxe à vista a imagem de um distinto senhor, alvo, de cabelos mui brancos e ampla fronte, com o peito cravado de medalhas e honrarias: o soberano da Áustria, Imperador Francisco Primeiro...

Francisco I, imperador da Áustria, por Johann Baptist Lampi, fim do século XIX
_ Papai... Como sinto sua falta... – ela olhava o retrato, lutando contra as lágrimas. Por um momento, volveu-me o olhar, e depois passou os olhos para outro ponto, distante, longe daquele escuro aposento. _Sabes, dom Leopoldo, há muito tempo não me apertava tanto o peito a saudade de meu adorado pai quanto nesses últimos dias, de minha enfermidade. Há dois dias, peguei-me, em sonho, recordando de um acontecimento mui trivial, é verdade, ocorrido quando estávamos em Laxenburg, nos dias de Napoleão. Era eu ainda muito criança e, apesar de saber da situação em que meu país e meu povo se encontrava, alentava a esperança de que, breve, tudo aquilo estaria acabado, e o “diabo” aniquilado... o diabo – ela sorriu – vovó costumava referir-se assim ao Imperador dos franceses, meu falecido cunhado. Em um dos raros dias em que papai estava conosco, e não em batalha, o céu parecia prestes a desabar sobre nós, tamanha a fúria da chuva e dos ventos. A boa Anony, nossa ama, havia ordenado que ficássemos quietas, Clementine e eu, em nossos aposentos, mas, naquela noite, eu não sentia sono, apesar do pavor dos trovões. Não sabia como minhas irmãs e irmãos puderam dormir, mas eu permanecia acordada. Levantei-me, então, e saí do quarto e comecei a percorrer, vagarosamente, os corredores do palácio. Instintivamente, sabia exatamente para onde me dirigia, e lá cheguei ao cabo de uns poucos minutos. Abri a porta, tão silenciosamente quanto me era possível, e encontrei papai, sentado frente à lareira, com o semblante mais triste e pesaroso que jamais o havia visto. Aproximei-me, cuidadosamente, e ele me viu. Em princípio, pensava eu que ele fosse censurar-me por não ter obedecido às ordens de Anony e ainda estar de pé. Certamente iria castigar-me. Prostrei-me logo, arrependida, mas ele tocou-me e chamou:

O imperador Francisco I e sua família, em 1810. Leopoldina abraça o pai, na gravura.
_ Leopoldine, levante-se. Chegue mais perto.

Eu obedeci, relutante, e aproximei-me. Papai, sentou-me no colo, algo que talvez só houvesse feito quando eu não dispunha das luzes da razão, e era ainda mais incomum, dado o fato de ser eu já mais velha, e estar um pouco acima do peso. Recostei minha cabeça na dele, e ficamos por um longo instante sem dizer palavra. Como os trovões aumentassem, e eu tremesse de terror, ele desceu-me, pegou-me nos ombros e, olhando seriamente, me disse:

_ Tens medo dos trovões, filha minha?

Lembro-me de ter apenas acenado com a cabeça em resposta, olhando fixamente em seus olhos. Papai prosseguiu, em tom grave, quiçá profético:

_ Pois não tenha. Não te acovardes diante do que não pode fazer-vos mal. Tem em mente de que, dias virão, em que terás de enfrentar provações muito mais terríveis do que esta e, aí sim, poderás até sentir pavor, mas, naquele dia, terás de apresentar-te de cabeça erguida e de peito aberto, para cumprir teu destino, para vencer ou perecer.

Dona Leopoldina parou o relato e, lentamente, voltou os olhos para mim. Com um sorriso leve, acompanhado de um olhar triste, abatido, segredou-me:

_ É deveras curioso, dom Leopoldo, perceber que, o que àquela época não compreendi – Deus misericordioso, não o poderia! – se me apresenta hoje tão claro e direito! Oh, meu pai! Meu adorado papai... tinhas razão! Quanto me seriam exigidas as fibras e a vontade moral para suportar os suplícios que me têm sido impostos...

Leopoldina, arquiduquesa da Áustria, por Josef Kreutzinger, 1817
Lágrimas lhe caíam dos olhos. As mãos, pousadas sobre o retrato do pai, acariciavam docemente a face gravada em refinados traços negros, daquele a quem nunca mais veria. Impossibilitado de fazer qualquer coisa para deter aquele amargo choro, limitei-me a segurar-lhe a mão e dizer, em voz entrecortada:

_ Quem ama deseja preservar seu amado de seus maiores temores... Certamente, Vosso Augusto pai não ficaria desapontado ao ver a intrépida mulher que sua filha se tornou...

Saí apressadamente. Não me seria possível permanecer ali mais tempo sem ser tomado pela angústia, e chorar com ela as minhas próprias tristezas.

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E aí, o que acharam?
Aguardo o retorno de vocês!

Abração, e até!